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Impressões sobre o Auto da Compadecida (Grupo Maria Cutia)

Atualizado: 22 de jun. de 2019



Confesso que quase não fui assistir ao espetáculo “Auto da Compadecida” na programação da 19º Feira Nacional do Livro de Ribeirão Preto. Preconceito meu, óbvio. Mas meus motivos eram internamente certeiros. A peça ficou extremamente batida por causa do filme da Globo, aqui em Ribeirão, um grupo de teatro apresenta-a ad aeternum (até euzinha aqui já atuei nessa peça, rs), a duração do espetáculo também me incomodava, no original são quase 3h, mas o que mais me pegava era minha implicância com as últimas peças que assisti do diretor Gabriel Villela e sua mania de socar ator/atriz global em peças que “tuas ideias não correspondem aos fatos”. Mas lá fui eu. Prometi a mim mesma que ficaria 10 minutos e se visse que não valeria a pena ficar ali, eu iria embora.


Fui ficando ficando ficando... A peça me pegou de uma maneira inesperada. Apesar do texto ser um velho conhecido, tudo respirava de maneira nova. E os responsáveis por isso são os atores e atrizes do elenco do grupo mineiro Maria Cutia. Numa simbiose muito amalucada entre respeito ao texto, mas abusando e muito da iconoclastia, o grupo consegue equilibrar o interesse do público. Fazendo muitos cortes no texto, mas mantendo a essência, o que mais me assustou positivamente foi a maneira feliz com que a peça foi atualizada através de um discurso musical extremamente sofisticado. A peça de Ariano Suassuna estava lá, mas as músicas foram verdadeiros achados cênicos. Contextualizando e descontextualizando tudo ao mesmo tempo agora.





“O Auto da Compadecida” não é uma peça canônica como muitos equivocadamente a abordam. E o grupo deitou e rolou em cima do texto original. Resultando numa obra deliciosamente anárquica. Cumprindo seu papel de verdadeiro teatro. Entretendo o público sim, mas levando-o a muitas reflexões. Ao explicitar seu inconformismo com o governo Bolsonaro numa cena absolutamente antológica, o teatro irrompeu em aplausos alongados e calorosos. (Uma pequena parte do público não aplaudiu, outra parte ainda menor, resmungou). Mais citações como essa vieram em pílulas certeiras e isso fez com que o interesse do público ficasse cada vez mais engajado.


Naquele 09 de junho de 2019 que a peça foi apresentada em Ribeirão Preto, o site “Intercept”

apresentou uma série jornalística sobre a Operação Lava-Jato. Conversas entre o então Juiz Sérgio Moro e o Procurador Deltan Dallagnol pelo aplicativo Telegram foram vazadas. Nelas

fica explícito o interesse político da prisão de Lula. Alguns meses depois, Moro assume um Ministério no Governo daquele que mais se beneficiou da prisão de Lula. Tudo muito explícito

e jogado na nossa cara.

"O Diabo Juiz e Jesus Cristo"


E naquele 09 de junho de 2019 outra coisa também ficaria bastante explícita para mim. O quanto os artistas podem e devem se posicionar sobre as coisas do Brasil. E o quanto isso aumenta de potência quando feito em cima de um palco. Naquelas personagens de “Auto da Compadecida” estão refletidas nosso Brasil Atual. Na intransigência de um Diabo que se acredita Juiz e que julga todos os outros por si mesmo está contida muito da ideia do que acreditamos ser Justiça. Na existência de um Cristo Negro que vem para chocar os fiéis estão nosso racismo não assumido e os quase 400 anos de Escravidão varridos para debaixo do tapete. Na Providencial aparição de Nossa Senhora está toda nossa esperança de dias melhores. Vida longa ao teatro. Vida longa aos artistas. Lula Livre. Ele Nunquinha da Silva Sauro.


Créditos: Todas as fotografias são da nossa fotógrafa Lisa Cristine (@lisaccristine).

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